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Desvio e acúmulo de função: quando fazer mais extrapola seu contrato de trabalho

É cada vez mais comum ver trabalhadores sobrecarregados, desempenhando várias tarefas diferentes daquelas para as quais foram contratados. Muitos acreditam que isso “faz parte do trabalho” ou que “precisam colaborar com a empresa”. Mas o que poucos sabem é que essa prática pode ser ilegal e gerar direito à indenização ou aumento salarial. Estamos falando do acúmulo e do desvio de função.

 

O acúmulo de função acontece quando o trabalhador exerce, além do seu trabalho original, outra função adicional, de forma constante e sem receber nada a mais por isso. 

 

Já o desvio de função ocorre quando o obreiro é contratado para uma função, mas acaba sendo colocado para exercer outra, geralmente mais complexa ou com salário maior — e continua recebendo o salário original.

 

Configura-se desvio funcional quando o trabalhador passa a desempenhar atribuições diversas daquelas previstas para o cargo originalmente contratado. Ainda, a Orientação Jurisprudencial nº 125 da SDI-1 do TST estabelece que o desvio funcional não assegura ao empregado o reenquadramento no novo cargo, mas sim o pagamento das diferenças salariais, correspondentes à diferença entre o salário pago, relativo ao cargo contratado, e aquele devido pela função efetivamente exercida.

 

Nesse sentido, os Tribunais Regionais do Trabalho têm entendido que  a função para a qual o trabalhador foi contratado é uma cláusula essencial do contrato de trabalho. Isso significa que ela não pode ser alterada livremente pelo empregador, mesmo que ele alegue necessidade ou costume empresarial.

 

Quanto ao acúmulo de função, este ocorre quando o trabalhador passa a exercer, de forma contínua, um conjunto de tarefas que são significativamente diferentes daquelas previstas em seu contrato, sem receber nada a mais por isso. Não se trata de ajudar pontualmente em outra área ou cobrir um colega temporariamente, mas sim de uma mudança concreta nas atribuições sem a devida valorização econômica.

 

A Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso V, garante aos trabalhadores o direito à irredutibilidade salarial, salvo se houver convenção ou acordo coletivo. Isso significa que não pode haver aumento de responsabilidades sem aumento de salário. Além disso, a Lei nº 3.207/57, em seu artigo 8º, reforça que as funções devem ser respeitadas conforme as cláusulas do contrato de trabalho.

 

Já a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) trata diretamente da proibição de alterações contratuais lesivas ao empregado. O artigo 468 deixa claro: qualquer mudança no contrato que cause prejuízo ao trabalhador é inválida, mesmo que haja um “acordo” entre as partes.

 

Além disso, a CLT (art. 456, parágrafo único) estabelece que, na ausência de cláusula contratual específica, a função do trabalhador é determinada pelas tarefas efetivamente realizadas. Ou seja, o que importa é a realidade prática, e não apenas o que está escrito no papel.

 

É justamente por isso que os tribunais têm reconhecido o direito dos trabalhadores nesses casos.

 

Assim, conforme entendimento dos Tribunais do Trabalho, vale o que foi combinado no momento da contratação, mesmo que o trabalhador tenha outra qualificação. Se o contrato não especificar claramente a função, o que vale é a realidade do dia a dia: as tarefas efetivamente desempenhadas e a forma como o empregador exerce seu poder de direção.

 

Nesse cenário, se o trabalhador  foi contratado para uma função e passou a exercer outras tarefas com maior responsabilidade, pode estar diante de um caso de desvio ou acúmulo de função. E nesses casos, poderá ter direito a diferenças salariais, indenizações e reconhecimento da função real exercida.

 

O direito do trabalhador pode ser mais amplo do que se imagina. Quando há comprovação de acúmulo ou desvio de função, é possível pleitear na Justiça do Trabalho o pagamento de diferenças salariais, com base na remuneração correspondente à função que de fato vem sendo exercida. Além disso, o trabalhador pode ter direito a receber valores retroativos, normalmente limitados aos últimos cinco anos, conforme o prazo prescricional trabalhista.

 

Essas diferenças salariais também repercutem em outras verbas, como o FGTS, o 13º salário, as férias, as horas extras, o aviso-prévio e os recolhimentos do INSS. Em alguns casos mais graves, nos quais fique evidenciado abuso de poder, sobrecarga excessiva ou ofensa à dignidade profissional, o trabalhador ainda pode buscar uma indenização por danos morais.

 

É importante frisar que o simples fato de o empregado não ter se manifestado na época ou ter aceitado informalmente a nova função não elimina seus direitos. Muitas vezes, o trabalhador permanece calado por medo de retaliações ou da perda do emprego, o que não legitima condutas irregulares por parte do empregador. Por isso, diante de indícios de acúmulo ou desvio de função, é essencial procurar orientação jurídica especializada e avaliar a possibilidade de reivindicar os direitos de forma judicial. O Judiciário tem se mostrado sensível a essas situações e, frequentemente, reconhece o direito à reparação.

 

Se você sente que está sobrecarregado e não é valorizado pelo que faz, não aceite essa situação como normal. Fale com um advogado trabalhista e conheça seus direitos. Muitas vezes, o que parece “parte do trabalho” pode ser uma violação legal que merece reparação.

 

A Justiça está atenta a essas situações — e você deve estar também.

Por: Bruna Fonseca Duarte.

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